sábado, 27 de janeiro de 2018

TEXTOS ANTOLÓGICOS DE RUY CASTRO EM LIVRO.

Livro reúne textos antológicos de Ruy Castro, que comemora 50 anos de jornalismo

Angela Faria - UAI
Ruy Castro hipnotiza o leitor – assim como foi hipnotizado “pelo ouvido” em suas conversas telefônicas com João Gilberto. Parece fácil escrever tão “simples”. Ledo engano. O ofício exige pesquisas exaustivas, 400 perguntas planejadas para apenas um entrevistado, guerra sem trégua aos clichês. Trêfego e peralta: 50 textos deliciosamente incorretos não deixa de ser oportuna provocação ao jornalismo do século 21, às voltas com a fugacidade do mundo on-line. Organizado pela escritora Heloisa Seixas, o livro traz artigos e entrevistas publicados desde 1977 e comemora meio século de labuta do repórter.

Nenhuma das 345 páginas tem ranço de passado. E olha que Ruy, de 69 anos, fala de pecados como o prazer de degustar um cigarro. Bom de prosa, instiga Millôr Fernandes a filosofar e a falar do próprio machismo. Desarma o espertíssimo Ibrahim Sued. João Gilberto, Xuxa, príncipe Charles e a Chita do Tarzan ainda conseguem nos surpreender, tantos anos depois da publicação daqueles artigos. Mas o que dá gosto, mesmo, é descobrir “anônimos”, gente como o figuraça José do Patrocínio de Oliveira, a encarnação humana do Zé Carioca. Infelizmente, ficou faltando a “ping-pong” com Tim Maia, lamenta o mineiro de Caratinga, autor das impecáveis biografias de Nelson Rodrigues, Carmen Miranda e Garrincha.

Cinquenta anos de profissão, meio século de redação… O ofício de repórter ainda te fascina? Ou você se sente, hoje, escritor, biógrafo e “ex-jornalista”?

Nunca deixei de ser jornalista. Foi a primeira e única coisa que pensei ser na vida, e bota tempo nisso – mais de 60 anos (risos). O que aconteceu foi que, a partir de 1988, já estava fora das redações, trabalhando em casa. Hoje isso é comum, mas, em 1988, não era. Aí comecei a trabalhar com livros e a vida mudou. Mas nunca abandonei a imprensa. Em todo esse período, mesmo soltando um livro atrás do outro, não se passou um dia em que eu não estivesse ligado a algum veículo como colaborador fixo – ponha aí a Folha, o Estado de S. Paulo, o Jornal do Brasil e, por um breve período, O Globo e o Extra, além de inúmeras revistas. Há 10 anos sou colunista quatro vezes por semana da página 2 da Folha.

Selecionar os 50 textos do livro foi uma “escolha de Sofia”? A missão coube à escritora Heloisa Seixas, mas queria saber como você se sentiu ao se deparar com o “resumo da obra”. Doeu deixar algo de fora?
Trêfego e peralta não é um “resumo da obra”… É uma coletânea de textos provocativos e inéditos – só isso já define bem o escopo da escolha. As “escolhas de Sofia”, portanto, foram dentro desses limites. Mas, sim, doeu deixar de fora a entrevista que fiz com Tim Maia para a Playboy – a editora nos desaconselhou porque a família do Tim é muito chata, cria caso por qualquer coisa – e, no texto, que é de matar de rir, ele arrebentava com o Roberto Carlos…

É uma arte republicar artigos de tantos anos atrás sem soar a “coisa do passado”. Qual é o segredo dessa atemporalidade?
Você tem razão, há uma certa ciência em fazer uma seleção como esta – ponto para a Heloisa. Na verdade, este é um livro sobre jornalismo – sobre as diversas maneiras de fazer jornalismo. Contém reportagem, entrevista, artigo, crônica, tudo. Nas entrevistas (com Ibrahim Sued, Millôr Fernandes e Elsimar Coutinho), espero que o leitor perceba o trabalho do entrevistador, de como ele se preparou para enfrentar o entrevistado, como o cercou para não deixar nenhuma pergunta sem resposta e como fez isto no nível do entrevistado. Em outros textos, como o sobre a inundação da biblioteca da USP ou sobre o lançamento do LP da Xuxa, a ideia era mostrar que, por mais insignificante o assunto, pode-se tratá-lo de modo a ser informativo, satisfazer o leitor do jornal daquele dia e ainda continuar interessante em livro mais de 30 anos depois.

O primeiro artigo fala de clichês, o “pecado de cada dia” do jornalismo. Bolsas despencando, mercado nervoso… Quais são os clichês contemporâneos que mais te incomodam?
Ah, muitos hoje me incomodam… O “entrar em estúdio” para gravar um disco é indestrutível. Outros são “ponto fora da curva”, “zona de conforto”. Essa é a vantagem de usar o clichê – ele sai direto, não precisa passar pelo cérebro.

A guerra contra os clichês está perdida? A internet veio complicar ainda mais o quadro?

Em duas palavras: sim. Você brilha em assuntos, digamos, “fora da caixinha” – olha o clichê aí… O artigo sobre o cocô é um deles. Como escrever sobre algo que o público rejeita e, ao mesmo tempo, atrair esse leitor? Antes de escrever, costumo pensar sobre o assunto. Geralmente, só começo a pô-lo no papel –digo, na tela – depois que ele foi bem trabalhado na cabeça. Claro que, no calor de uma redação – e vários textos de Trêfego e peralta foram produzidos nesse calor –, nem sempre se tem muito tempo. É preciso, então, aprender a pensar rápido. Mas, como não se pode controlar tudo, muitas vezes uma frase engraçada ou reveladora sai de um jato, espontaneamente, sem você esperar. É uma das magias de escrever.

Em Desconstruindo heróis, você fala de Lillian Hellman, Jack Kerouac, Gay Talese, ídolos de muita gente. Se fosse para escrever o Desconstruindo hoje, em quem você miraria?
Sinceramente, eu acompanho pouco o movimento atual. Ficam espantados quando pergunto sobre o que Fulano ou Beltrano faz – como se eu tivesse obrigação de saber. Fico confuso com essa quantidade de Alexandres na praça – deve haver hoje uns 10 Alexandres famosos, não? E os Cauês e Luans? E os Luês e Cauans? Estou brincando (risos). É que, há quase um ano, tenho passado o dia mergulhado no Rio dos anos de 1920 (para o novo livro) e sem muito tempo para me dedicar à vida real. E vou continuar nos anos 20 pelos próximos dois anos!

Depois de meio século de jornalismo, há alguém que você ainda sonha entrevistar? Qual foi a entrevista que você mais gostaria de fazer – e não fez?
Ah, sim, se eu estivesse na ativa, gostaria de entrevistar os grandes caras-de-pau do país – Temer e Lula, principalmente. Mas será que ainda há um veículo como a antiga Playboy, capaz de assimilar uma entrevista de sete ou oito horas de fita gravada, 60 laudas de transcrição e 20 páginas na revista impressa? Esta era a minha média na Playboy e na Status nos anos 80 e 90. Cada entrevista me tomava um mês de preparação antes de ir encarar o entrevistado. Quem pagaria por isso hoje? E eu próprio não tenho mais gás para essa maratona. Dos que já pegaram o boné, lamento nunca ter entrevistado Otto Lara Resende – me dava com ele, mas nunca pintou. E acho uma vergonha ter sido tão íntimo de certas pessoas – Paulo Francis, Ivan Lessa, Decio Pignatari, Ronaldo Bôscoli – e nunca ter havido um microfone em nossas conversas. Talvez a amizade também atrapalhasse.

Discute-se muito o futuro do jornal impresso. Há quem garanta que ele vai acabar. É mesmo só questão de tempo?
Não me incomodarei se os jornais impressos ficarem menores, mais analíticos e com informação enxuta, mas exclusiva e de alto nível. Mas, para isso, os on-lines terão de melhorar muito. São pessimamente escritos e escrever às pressas não é desculpa para escrever mal. Quem me parece correr grande risco também é a televisão – a geração dos meus netos, por exemplo, não passa nem perto.

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