Envolvida em uma rotina baseada em acordar, tomar café da manhã e ir trabalhar das 8h às 18h, todos os dias eu fazia o mesmo caminho e repetia os mesmos hábitos. E todos os finais de tarde eu chegava em casa e só assistia TV ou trabalhava mais um pouco para impressionar no dia seguinte.
Naquela época eu dizia sim para tudo o que me pediam. Eu me permitia ser consumida por um ambiente tóxico. Eu aceitava quando me pediam para arrumar as malas e viajar dali a algumas horas e também cedia quando me pediam 30 refações no trabalho de alguém da minha equipe, mesmo que fosse uma sexta-feira quase 19h.
Essa vida sem propósitos, amparada em me sentir dona de um título de um cargo que não seria meu para sempre e que sempre colocava o outro como mais importante foi interrompida quando eu tomava banho para ir ao trabalho,  uma determinada manhã.
Ao sair do box, eu tentei ler o rótulo de um shampoo que estava na pia, mas eu simplesmente havia perdido a capacidade de ler repentinamente. Nenhuma letra fazia sentido, era como se eu não fosse alfabetizada. Em seguida, fui tomada por uma enorme dor de cabeça e então eu chamei meu marido pedindo ajuda.
Naquela manhã eu não fui trabalhar e marquei um neurologista. Ao sentar na cadeira do consultório daquela médica e ela me perguntar o que eu sentia, comecei a chorar enquanto relatava tudo o que eu estava passando naquele trabalho que só me consumia. Felizmente eu estava diante de um profissional que se importava e que me disse que eu estava tão estressada que algo pior aconteceria comigo se eu não desacelerasse. Aquela cena de eu ter perdido temporariamente a capacidade de ler, ao ponto de não compreender o teclado do meu celular caso eu precisasse ligar pra alguém pedindo ajuda, era um sinal de que meu corpo precisava de sossego. E então eu fui orientada a tirar dez dias de licença.
Ouvi um conselho daquela médica que foi além do papel que ela teria: ela me disse que estava na hora de eu fazer o que eu amava de verdade e parar de dizer sim para tudo.
Dez dias de licença em casa. E certamente os meus chefes pensaram que era frescura aquele período de afastamento. Mesmo de licença foi difícil relaxar, porque eu só conseguia pensar na quantidade de trabalho que me esperava quando eu voltasse. Ao aceitar a licença médica eu também aceitei que até então eu não estava vivendo, apenas existindo e que algo precisa ser mudado.
Quando voltei ao trabalho depois daquele período eu também voltei sendo uma nova pessoa.
Eu passei a dizer não para algumas situações e estava consciente de que aquela postura nova traria consequências. Não se tratava de ser rude ou de me negar a trabalhar e entregar resultados, mas de exigir respeito à minha função e à minha condição de ser humano, porque eu não podia passar a vida sendo apenas uma profissional desrespeitada.
E então, a partir desse dia, as coisas ficaram mais leves. Não exatamente mais fáceis, mas mais leves.Eu não trabalhei mais após o expediente para antecipar trabalhos que eu deveria fazer na empresa. Eu não respondi e-mails no mesmo minuto em que eles chegavam. Eu comecei a priorizar demands. Eu não aceitei participar de reuniões que prejudicariam algo que eu precisava cumprir dentro do prazo ou que eram pura enrolação. Eu passei a delegar o que eu havia absorvido sem ser função minha. E eu cheguei ao ponto de deixar um e-mail do CEO sem resposta numa sexta a tarde, quando ele pediu a trigésima alteração em um material que precisava ir para o gráfica no sábado de manhã. Descobri que eu precisava fazer o respeito existir, e na segunda-feira de manhã eu entendi que tudo estava normal e o que o fato de terem perdido o prazo da gráfica mostrou que quem precisava se organizar melhor eram eles.
Muitas vezes somos nós mesmos que mal acostumamos as pessoas, quando absorvemos o que não devemos, quando prometemos o que não pode ser entregue no prazo.
Ciente de que aquela nova postura em breve traria consequências, eu aguardei até o dia em que fui demitida. Parece chocante atrair uma demissão em tempos de início de crise, mas era isso ou ficar doente e definhar pouco a pouco. O baque da demissão me pegou e eu inclusive relatei como foi em um artigo. Mas algum tempo depois eu entendi que era exatamente o pé na bunda que eu precisava tomar para concluir meu projeto de auto respeito e de vida.
Ao sair de um ambiente tóxico eu descobri infinitas possibilidades. E nunca mais permiti que eu me tornasse alguém que apenas existia. Eu passei a viver e desde então realizei alguns dos meus principais sonhos, e muitos outros estão prestes a se realizar.