terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

PAÍS DE HERÓIS SEM LEITURA.

País de heróis sem leitura

Pedro Almeida
Articulistas sempre estão em busca de algum tema, e às vezes, procurando por um, acabam se deparando com outro. Repetidamente, até as descobertas cientificas, acontecem deste jeito. Este aqui nasceu assim: pensava em escrever sobre um tema e o desenrolar dele me levou a fazer novas perguntas, e acabei descobrindo outras coisas que estavam fora do escopo original. E, a despeito de atuar no mercado editorial por tanto tempo, elas ainda me pegaram de surpresa. Talvez façam o mesmo com você.

O tema que abordo hoje é a falta de uma cultura da leitura. Para isso, escolho para a reflexão a forma como tem-se criado “campanhas para a promoção da leitura”.

As poucas vezes que surgem essas campanhas de incentivo à leitura, seja no rádio, revistas ou na TV, quase sempre acontece uma variação sobre o mesmo tema. Primeiramente escolhem um influenciador. São chamados para capitaneá-la alguém do meio artístico num destes grupos:

a)Um artista consagrado de TV ou de teatro;

b)Um autor de livros que circula nos principais cadernos de cultura;

c)Um apresentador de TV de programa cultural/jornalístico.

Pense você em três personagens que pode ter visto encampando estas campanhas nos itens a, b e c.

1, 2, 3...

Antes de pedir uma reflexão, deixe-me lembrar sobre qual era a proposta: promover o hábito de leitura para quem não o tem. E daí, pergunto: estes personagens podem ser um exemplo a ser seguido pelo público-alvo? Será que são o melhor elo de comunicação com o público que NÃO lê. (Porque é uma campanha de incentivo à leitura, não para reafirmar o valor da literatura para quem já lê, certo?)

Provavelmente você chegará a conclusão de que, por mais credibilidade que tal personalidade tenha, ela não se comunica com, por exemplo, crianças de escola pública de periferia.

Quem seria então um bom influenciador?

Quando é preciso fazer uma escolha de representante para estrelar uma grande campanha de um produto são feitos estudos meticulosos, caríssimas pesquisas de opinião com o público-alvo. Isso não o teremos, afinal, trata-se de livro, veículo continuamente desprestigiado neste país e que não vai trazer retorno financeiro direto a empresas e raros foram os governos a tentar tratar a educação com alguma seriedade. Então, vou arriscar um palpite que me parece óbvio: o caminho seria partir para os heróis desse público hoje: cantores populares, jogadores de futebol, jovens ídolos.

Vimos tentando por décadas usar um ator consagrado de teatro e levá-lo para convencer as pessoas que não leem e nem vão ao teatro de que a leitura é um caminho de ascensão social, de dignidade, respeito. É uma tentativa cheia de boas intenções, mas carregada equívocos e talvez muito idealizado. Ora, se buscamos incentivar quem não lê por que se oferece o modelo clássico? Porque não oferecer o novo?

Imagine trocar um Paulo Autran ou Serginho Groisman por Neymar? Ou Cid Moreira por Anitta ou McGuinê? Vejo daqui uma torcida de nariz, mas continue.

Se estamos tentando “pescar” quem não lê, quem traria melhor repercussão? Não se aborreça ainda. Se você está lendo este artigo é porque não precisa de incentivo novo para ler.

Temos um problema sério no país. Os atuais grandes heróis não leem, não leram e não são relacionados no imaginário popular com uma sólida formação cultural. Os ídolos do futebol parecem, aos olhos de todos nós, que nunca precisaram estudar; os cantores mais populares ou sertanejos de sucesso parecem que abandonaram a escola cedo e esta foi a melhor escolha das suas vidas. Tivemos um presidente que não se envergonhava em dizer que não gostava de ler e não houve indignação suficiente da sociedade que o fizesse se retratar. Não à toa a cultura da ostentação se alastra e sustenta ideia de que não é preciso saber/estudar para alcançar sucesso, riqueza, realização material. Diante disso, a estratégia precisa mudar. Precisamos trazer estes heróis para o nosso lado.

Quantos garotos e garotas acham hoje que ler traz algo de útil para as suas vidas? Que a leitura é fundamental para que ele possa sair da perpétua situação de miséria? Sério. Não falo aqui de idealização ou discurso pronto que se você ligar uma câmera numa escola pública ou assistir a um episódio do canal Futura e fizer a pergunta, qualquer criança vai tentar dizer que sim, que ler é importante. Mas não é disso que estamos falando, de dialéticas, mas de prática, e todos os dados de leitura e educação desmontam essa farsa.

Nossa sociedade vive com a crença de que mais vale investir em jogos de azar, como a Mega-Sena ou num possível talento para futebol ou música que em qualquer outro que dependa de escola, estudo e leitura.

Imagine a continuidade dessa crença muito multiplicada pela juventude: primeiro a mais pobre e depois seguindo nas classes C e B. O resultado é um quadro desolador hoje e para as próximas décadas: jovens, sejam de qualquer classe, culturalmente pobres, perdidos, sem muita perspectiva, com ideias que não reúnem causa e consequência e, por isso, acreditando numa ideia de anarquia geral.

Ah. De onde você tirou essa ideia toda?

Foi de muita observação, mas vou contar dois casos, um deles, bem recente, que ilustram essa ideia.

No ano 2000, uma novela da Globo de Manoel Carlos, Laços de família, transmitida em horário nobre, o personagem central Tony Ramos era o dono de uma livraria e apresentava frequentemente livros durante as cenas. Quem trabalhava no mercado editorial naquela época sabe que cada livro que aparecia na tela acabava por vender muito, alguns foram parar nas listas de mais vendidos sem nunca a ter frequentado antes. E foi observado outro fenômeno: as livrarias passaram a entrar na vida das pessoas. Muitas, que nunca tinham pisado numa livraria antes, mesmo as de shopping, passaram a fazer. As pessoas consideravam que aquele era um chão que não pertencia a gente mais simples e a novela quebrou esse paradigma.

Outro, mais recente.

Em 2014, na época da Copa do Mundo no Brasil -- apesar de todos os problemas na finalização das obras e no fato de que uma boa parte da população desacreditava na força do evento --, o Brasil entrou em festa logo que a Copa começou. Muita gente que estava indiferente sentiu que perdeu a oportunidade de festejar como sempre fez, e até lamentou não ter entrado no clima e comprado ingressos. Nossa Seleção estampava desde campanhas de marcas internacionais de cuecas a celulares. Ainda havia confiança na seleção Brasileira, então Neymar estava em alta e o casal Bruna Marquezine e Neymar estavam entre as maiores celebridades da época.

E nesse clima de festa, uma postagem publicada no Twitter sobre um livro é tido como o disparador do sucesso do livro de Isabela Freitas, Não se apega, não. Isso aconteceu no dia 01/07/2014, postado por Bruna Marquezine.

Recordem a cronologia: o tweet ocorreu logo depois de uma das vitórias brasileiras mais sofridas, contra o Chile, nos pênaltis por 3x2, nas oitavas de final. Na semana seguinte, o livro passa a dobrar as suas vendas. Pela lista do PublishNews, na semana anterior ao post, o livro vendeu pouco mais de 2,2 mil exemplares (http://www.publishnews.com.br/ranking/semanal/5/2014/7/4/0/0). Na semana seguinte, esse número saltou para quase 4,5 mil (http://www.publishnews.com.br/ranking/semanal/5/2014/7/11/0/0). E depois disso, entrou num círculo positivo de vendas que se seguiu por meses e tornou a autora uma das revelações do ano. Afirmar que o sucesso aconteceu principalmente por conta do Twitter ninguém pode, mas no mínimo fez uma blogueira teen emergir para as páginas de portais de notícias nacionais e ser citada nas reportagens da época.

Pergunto então: um personagem popular, identificado com o público menos leitor não seria mais eficiente numa campanha para a promoção de NOVOS leitores?

Se um tweet ou uma simples aparição de um livro numa novela teve esse poder, imagine uma campanha em que um ídolo sertanejo revele seu interesse por leitura ou lamente a falta de incentivo na infância, as dificuldades que teve por conta da falta de leitura, etc. Não tenho dúvidas que, se convidados, muitos topariam participar de algo assim.

E esse não é um fenômeno restrito à cultura brasileira: Oprah Winfrey, apresentadora de TV mais bem paga dos EUA por muitos anos, que tem uma história e imagem pessoal relacionada com ascensão social – teve uma infância muito pobre, foi vitima contínua de abusos e conseguiu através da dedicação aos estudos dar uma guinada em seu trágico destino – tornou-se capaz de transformar qualquer livro que indicasse num grande sucesso. Mark Zuckerberg, criador do Facebook, a ferramenta social que tem revolucionado nosso mundo, sobretudo entre as pessoas mais jovens, também tem feito indicações de livros. Ele é um ídolo para uma parcela enorme de pessoas entre 20 e 30 anos. E cada vez que apresenta uma obra, milhões de seus seguidores acabam por levar o livro a vender números impensáveis. Em todo o mundo.

Esse é um convite para que paremos de chover no molhado e realmente invistamos numa cultura de leitura. O hábito de ler é como aprender a andar de bicicleta, quem é “contaminado” por ele mantêm a leitura como um valor perene. E reconhece tudo o que ela lhe pode trazer para a vida pessoal e profissional.

Vale, contudo, um alerta, para o qual utilizo o dístico da bandeira paulista: “Non ducor, duco”. Não serei conduzido, conduzo. Algumas pessoas, com as melhores intenções, confundem muitas vezes o processo, o fazem de modo invertido e acabam por achar que levar a cultura de livro à população que não lê é produzir material sobre as culturas de periferia.

Veja como é comum encontrar propostas como uma biografia de uma moradora de rua, de um projeto social, um dicionário da periferia e nossa sociedade achar que se está criando uma cultura de livro, que está democratizando a literatura, que estamos incluindo estas pessoas. Eu acredito que não (ou muito pouco). Estes projetos servem para lembrar a classe média de que a miséria existe, de que a periferia existe, mas produz muito pouco por sua formação cultural. São alertas para a sociedade culta, leitora, sobre determinada exclusão, como o fez Ferrez em Capão redondo ou Gilberto Dimenstein em Esmeralda – Porque não dancei, que traz o duro retrato da vida de uma menina de rua.

O que seria realmente novo e precisa ser feito é voltarmos a valorizar a leitura, o caráter formador da cultura, oferecer bibliotecas de qualidade com livros novos, que as pessoas queiram ler, que estejam presentes nas livrarias. Isso tudo parece muito distante, não? Talvez seja algo incendiário: basta uma boa iniciativa de bom alcance para mostrar o seu poder, e a reação em cadeia possa começar. Essa ideia toda, de trazer o popular para convencer do valor da leitura, não parece óbvia?

Critique, comente, divulgue e execute. Não deve haver limites para promover a leitura.

(Publishnews - 17/02/2016)


Pedro Almeida é jornalista e professor de literatura, com curso de Marketing pela Universidade de Berkeley. Autor de diversos livros, dentre eles alguns ligados aos animais, uma de suas paixões, trabalha no mercado editorial há 20 anos. Foi publisher em editoras como Ediouro, Novo Conceito, LeYa e Lafonte. Atualmente inicia uma nova etapa de sua carreira, lançando a própria editora: Faro Editorial.
Sua coluna traz exemplos recolhidos do cinema que ajudam a entender como funciona o mercado editorial na prática. Como é o trabalho de um ghost writer? O que está em jogo na hora de contratar um original? Como transformar um autor em um best-seller? Muitas dessas questões tão corriqueiras para um editor são o pano de fundo de alguns filmes que já passaram pelas nossas vidas. Quem quer trabalhar no mercado editorial encontrará nesses filmes algumas lições importantes. Quem já trabalha terá com quem “dividir o isolamento”, um dos estigmas dos editores de livros. Pedro Almeida coleciona alguns exemplos e vai comentá-los uma vez por mês.

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