sexta-feira, 21 de março de 2014

ESTRATÉGIAS DE LEITURA DO TEXTO LITERÁRIO

Estratégias de leitura do texto literário
Marinês Andrea Kunz (Feevale – marinesak@feevale.br)
Todos lemos a nós e ao mundo à nossa volta
para vislumbrar o que somos e onde estamos.
Lemos para compreender, ou para começar a
compreender. Não podemos deixar de ler. Ler,
quase como respirar, é nossa função essencial.
Alberto Manguel
Resumo
O texto literário desenvolve a imaginação, a criticidade, o domínio da linguagem e
auxilia o leitor a refletir sobre si e sobre o mundo. Apesar de tudo isso, a leitura do texto
literário na escola sofre de uma série de males, dentre os quais professores que muitas
vezes não lêem e não compram livros, biblioteca mal equipada e estratégias de leitura
equivocadas. É possível, no entanto, com um planejamento adequado, desenvolver com os
alunos atividades que despertem seu interesse pela leitura de textos literários, a partir da
leitura estética e de atividades de pré-leitura, da leitura-descoberta e de atividades de pósleitura.
Palavras-chave: leitura, literatura, estratégias de leitura
A leitura na escola
Parece, de um lado, já bastante desgastado afirmar a necessidade da leitura e,
especialmente, a leitura do texto literário na escola. Contudo, de outro, percebe-se que há
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ainda muito a fazer em nossas escolas. Até mesmo, estimular a leitura por parte dos
professores, principalmente os das séries iniciais.
O professor, por mais esdrúxulo que possa parecer, nem sempre se apropria do
acervo literário disponível no mercado em função dos baixos salários e até por não ser
exemplo de leitor para seus alunos. Ele passa a conhecer o texto literário por intermédio do
livro didático. Contudo, para formar leitores, é preciso ser leitor, pois, como afirma a
escritora Ana Maria Machado “(...) imaginar que quem não lê pode fazer ler é tão absurdo
quanto pensar que alguém que não sabe nadar pode se converter em instrutor de natação.
Porém é isso que estamos fazendo” (2001, p. 122).
A criança necessita, pois, de um exemplo de leitor, que podem ser os pais – em
geral, não é a regra - ou, o que seria muito apropriado, o professor. Este deve compartilhar
com os alunos o que lê, comentar os tipos de histórias ou poemas de que gosta, além de
estimulá-los a pensarem sobre sua história de leitura. É com o apaixonamento do professor
pelo que ensina – no caso a leitura do texto literário - que é possível despertar novos
leitores para o universo literário.
O professor precisa se dar conta de sua importância no processo de formação de
leitores, o que implica que ele seja também um leitor, pois é o mediador entre o livro e o
leitor na escola. Deve, assim, promover o diálogo acerca da obra literária, para exercitar a
liberdade de expressão e não mais o silêncio da aquiescência à interpretação unívoca –
ditada pelo livro didático e levada ao pé da letra pelo professor. Para reforçar a idéia da
troca, Ângela Rolla afirma que
Não se concebe a leitura como um ato solitário, pois o leitor participa de
uma comunidade de leitores, onde as leituras são partilhadas como
experiências vividas e o caminho que nos conduz até o literário passa por
uma predisposição individual, mas também por mediações externas como
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é o caso do professor de português ou de literatura em relação aos seus
alunos (2003, p. 170).
A troca de idéias e a pluralidade de significados construídos a partir da realidade do
aluno, com base no percurso isotópico proposto no discurso, devem marcar o trabalho com
a literatura. O percurso isotópico é entendido aqui na acepção empregada por Denis
Bertrand (2000), ou seja, uma isotopia que parte do conjunto ao elemento, construindo, ao
longo da leitura, hipóteses interpretativas, simultaneamente dedutivas e indutivas, que
engendram a significação do discurso. Com isso, cada aluno interpreta o percurso isotópico
com base em seus conhecimentos e suas vivências, de modo que a obra lida fará sentido
para ele, fato que pode facilitar a leitura de novos textos. Isabel Solé confirma essa idéia
quando afirma que: “As situações de leitura mais motivadoras também são as mais reais:
isto é, aquelas em que a criança lê para se libertar, para sentir prazer de ler, quando se
aproxima do cantinho de biblioteca ou recorre a ela” (Solé, 1998, p. 91).
Além do papel fundamental do professor, a biblioteca escolar também exerce, ou
deveria exercer, papel fundamental na formação de leitores. Deveria, primeiramente, ser
local privilegiado no contexto escolar, com um espaço amplo, arejado e agradável.
Contudo, em geral, é de difícil acesso e inadequada a seus fins.
Além disso, o acervo, na maioria dos casos, é pobre e desatualizado (Silva, 1999).
Não há exemplares suficientes, e as obras muitas vezes são compradas de vendedores que
passam nas escolas, de modo que não correspondem a alguns quesitos de qualidade:
ilustração adequada, texto integral, revisão cuidadosa. Com isso, a biblioteca não desperta
o interesse do aluno e, por conseguinte, deixa de cumprir sua função: ser local de pesquisa,
de leitura, de aprendizado.
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Também é comum a função de bibliotecário – quando há - ser assumida por alguma
professora quando há estagiário em sua turma ou quando volta da licença maternidade.
Não tem, portanto, formação específica para atuar nessa área, o que interfere até a compra
de novos livros, já que nem sempre se apropriou do que é possível e adequado adquirir.
As atividades desenvolvidas a partir do texto literário normalmente reduzem-se a
uma avaliação escrita – prova ou trabalho -, cujo resultado é transformado em nota. É
freqüente o professor não construir sentido sobre o texto e valer-se somente das
interpretações propostas pelo livro didático, não permitindo ao aluno ter outra
interpretação. Tal proposta didática já não consegue estimular o aluno a ler e leva ao
silêncio e à morte da crítica.
Propondo mudanças...
Ao invés de criar programas apenas voltados aos alunos, talvez fosse adequado
criar outros que se preocupem com a formação de leitura dos professores, despertando-os
para o universo literário. É fundamental gostar de ler para formar leitores.
No processo de formação de leitores, ele precisa preparar o aluno para receber a
obra, a fim de diminuir a distância entre o leitor e o texto: “a distância pode ser atenuada
ou suprida, pela forma como o material se apresenta, pelo estímulo dado para o
envolvimento com o texto no próprio texto e também por uma certeza [...] de que a
interação é possível, prazerosa e enriquecedora” (Gebara, 2002, p. 30).
A autora citada diferencia, com base em Louise Rosenblatt, a leitura eferente da
estética. A primeira está preocupada com o resíduo da leitura, ou seja, com informações e a
solução de problemas imediatos. A segunda, por sua vez, está centrada na experiência do
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leitor com a leitura, relacionando o cognitivo com o emotivo. Para estar apto a estimular a
atividade estética, o professor deve conhecer os elementos do texto: “as pessoas envolvidas
com a leitura [...] precisam estar cientes de como os textos literários se estruturam e como,
num grau elevado de tensão, eles estimulam essa relação que transcende o cognitivo, numa
percepção ampliada da realidade tratada no texto” (Gebara, 2002, p. 27).
Há vários objetivos que direcionam a leitura, mas as atividades com literatura
deveriam focalizar a leitura estética, com o intuito de fruir com o texto, construindo
sentidos e relacionando-os com a realidade do leitor. Com isso, fundem-se a atividade
cognitiva e o envolvimento emotivo, o que assegura maior êxito às propostas de leitura.
Para alcançar esse objetivo, é importante que o professor indique diferentes
gêneros literários, mostrando ao aluno o leque de opções a sua disposição – se a biblioteca
oferecer um acervo razoável evidentemente. Além disso, deve conhecer seus alunos para ir
ao encontro de suas preferências, em um primeiro momento, para, depois, romper o
horizonte de expectativas (Bordini; Aguiar, 1993), sugerindo outros textos, a fim de que
ele enriqueça seu repertório de leitura e leia textos já mais complexos. Precisa, ainda,
sugerir obras que estejam de acordo com a maturidade emocional dos educandos, para que
eles realmente se identifiquem com o texto.
O êxito das atividades de leitura também está relacionado à preparação do terreno
para receber a semente, ou seja, é importante despertar no aluno interesse pelo texto antes
de leitura, o que constitui as atividades de pré-leitura. Com isso, o professor estará
ativando os conhecimentos prévios do educando por meio de, por exemplo, inferências
sobre o texto (Giasson, 2000), além de estabelecer um envolvimento emotivo com ele. É
possível criar situações em que os alunos tenham uma vivência concreta relacionada ao
texto, como, por exemplo, observar determinada pintura e discutir seu significado antes de
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ler um conto sobre um quadro. A partir da vivência, a tendência é ele ler o texto com mais
atenção e interesse.
No segundo momento, ocorre a leitura efetiva do texto, que é uma atividade
solitária: a leitura-descoberta. À medida que lê, o leitor elabora seleções semânticas,
ativando o que Eco (1989) denomina conhecimento enciclopédico até considerar adequada
sua interpretação.
Uma forma de dinamizar essa fase da leitura é a que Isabel Solé (1998) sugere: a
leitura compartilhada, em que professor e alunos realizam previsões sobre o texto a ser lido
e, depois, sobre o que foi lido, como também esclarecem dúvidas sobre o texto e resumem
idéias. Tudo isso, em busca do diálogo e da discussão sobre o significado do texto, que não
é necessariamente aquele do livro didático.
Por fim, passa-se às atividades de pós-leitura, em que o texto é relacionado à
realidade dos alunos, para que ele reflita sobre si mesmo e o meio em que vive. Nesse
sentido, sugere-se que seja possibilitado ao aluno discutir o texto com os colegas e com o
professor, para que haja a troca de idéias e o esclarecimento de dúvidas. Essas atividades
podem ser bastante dinâmicas, como, voltando ao exemplo do texto sobre o quadro, pintar
com os alunos um quadro expressando o significado do texto. Posteriormente, cada aluno
expõe oralmente e/ou por escrito o que compreendeu e as relações que estabeleceu. Nesse
sentido, muitas outras atividades mais lúdicas que levam à reflexão e à discussão tanto do
conteúdo quanto do discurso literário, aproveitando os talentos dos alunos – filmagem,
dramatização, leitura dramática, saraus literários, debates, painéis, paródias etc - podem
suscitar no aluno o prazer e o gosto pela leitura do texto literário.
Não é necessário, portanto, especialmente no Ensino Fundamental, que o ensino da
literatura tenha como resultado um trabalho avaliativo escrito, que se reverterá em uma
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nota. Se o aluno ler e discutir o que leu, mesmo que seja para dizer que não gostou da obra
e porquê – pois isso é um posicionamento crítico e o exercício da liberdade -, o professor já
obteve êxito.
Além disso, também é possível realizar novas leituras a partir das relações
intertextuais estabelecidas pelo texto lido. Pode-se buscar a intertextualidade formal e a de
conteúdo, o que amplia o conhecimento do leitor sobre o sistema literário – e outros que
freqüentemente se valem de elementos da literatura -, além de mostrar-lhe que os textos
dialogam e podem ser lidos uns pelos outros no processo de recepção. Essa atividade ajuda
o leitor a construir sentidos outros muito além do texto lido primeiro, pois lhe possibilita
perceber a dimensão da instituição literária, além de despertar nele a sensibilidade para a
apreciação estética com base em relações intertextuais.
As relações intertextuais não se restringem ao texto literário, podendo expandir-se
para textos calcados em outras matérias de expressão, com a música, as artes plásticas, a
televisão e, sobretudo, o cinema. Assim, pode-se relacionar o texto literário a inúmeras e
variadas expressões humanas.
O cinema, por sua vez, é um campo amplo de diálogo com a literatura até porque,
inicialmente, esta lhe servia de matéria-prima para as narrativas fílmicas. Por outro lado, o
cinema – e a fotografia - também influenciaram a literatura, que buscou representar mais
realisticamente a partir da evolução dessas tecnologias.
Esse diálogo permite a análise da transcodificação do texto literário para o fílmico,
o que ajuda a conhecer melhor as técnicas de ambas as artes, revelando suas virtudes e
apontando suas limitações. Pode-se estudar como o cinema resolve a representação do
universo já representado pela literatura, que elementos composicionais são empregados e
de que modo o que é próprio do lingüístico é adaptado à heterogeneidade sígnica da
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narrativa fílmica. Pode-se ainda fazer o levantamento dos cortes e acréscimos no enredo
realizados na adaptação, que vão modificar o hipotexto – a obra literária. Se houver
recursos disponíveis, os alunos podem gravar suas próprias adaptações fílmicas. É
necessário, contudo, ter em mente que a narrativa fílmica é uma nova obra de arte, que não
precisa necessariamente ater-se fielmente ao hipotexto.
Ao invés de perder-se na poeira dos estudos para o vestibular – até porque a
maioria não prestará o concurso – lendo fragmentos das obras canônicas, o que implica a
não construção de sentidos pelo aluno, é mais válido estudar e analisar as obras como um
todo. Para isso, será necessário deter-se por mais tempo em cada texto ou na diversidade de
textos lida pelos alunos. Sem ser desperdício de tempo, é na verdade a tentativa de
estimular o leitor a compreender a obra completa e construir sentidos.
Quando o professor tem um projeto de formação de leitores, mesmo que seja com
ações simples e pelo interesse demonstrado, os resultados positivos surgem. O aluno não é
um não-leitor nato, mas um leitor em potencial, e nós, professores, podemos colaborar ou
não para que ele desabroche para o mundo literário. Por isso, urge que nos esforcemos para
transmitir nosso amor pela literatura, contagiando-os, por meio de um trabalho organizado.
Ana Maria Machado destaca que:
[...] ninguém resiste à tentação de saber o que se esconde dentro de algo
fechado – seja a sabedoria do bem e do mal no fruto proibido, seja na
caixa de Pandora, seja o quarto do Barba Azul. Mas, para isso, é preciso
saber que existe algo lá dentro. Se ninguém jamais comenta sobre as
maravilhas encerradas, a possível abertura deixa de ser uma porta ou uma
tampa e o possível tesouro fica sendo apenas um bloco compacto ou uma
barreira intransponível (Machado, 2001, p. 149).
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Recai sobre os professores a responsabilidade de fazer os alunos descobrirem o que
está por trás dessa porta e desvendar o universo maravilhoso da literatura, ajudando-o a
conhecer o legado da cultura da humanidade.
Referências Bibliográficas
BERTRAND, Denis. Précis de sémiotique litteraire. Paris: Nathan, 2000.
BORDINI, Maria da Glória; AGUIAR, Vera Teixeira de. A formação do leitor. Porto
Alegre: Mercado Aberto, 1993.
ECO, Umberto. Lector in fabula. São Paulo: Perspectiva, 1989.
GEBARA, Ana Elvira Luciano. A poesia na escola. São Paulo: Cortez, 2002.
GIASSON, Jocelyne. A compreensão na leitura. Lisboa: Edições Asa, 2000.
MACHADO, Ana Maria. Texturas: sobre leitura e escritos. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 2001.
ROLLA, Ângela da Rocha. Ler e escrever literatura: a mediação do professor. In: NEVES,
Iara C. Bitencourt. Et al. Ler e escrever: compromisso de todas as áreas. Porto Alegre: Ed.
Universidade/UFRGS, 2003.
SILVA, Ezequiel Theodoro da. De olhos bem abertos. Reflexões sobre o desenvolvimento
da leitura no Brasil. São Paulo, Ática, 1999.
SOLÉ, Isabel. Estratégias de leitura.Porto Alegre: Artmed, 1998.

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