sexta-feira, 23 de agosto de 2013

FERNANDO DE AZEVEDO JÁ ENXERGAVA, O QUE MUITOS NÃO QUEREM VER.




LEITURA DA IMAGEM NO VESTIBULAR
Ana Mae Barbosa*
As imagens povoam o cotidiano das pessoas e, no entanto, permanecem como sistema de signos desconhecidos.
O tema da redação de 95 causou polêmica de jornal. Filósofos que se consideram educadores condenando a prova por ter apresentado uma obra de arte visual para ser interpretada e jornalistas, como Caio Túlio Costa, defendendo a leitura do visual[1].
Deparei-me com a prova por acaso, quando me desfazia dos jornais acumulados em casa nos meus meses de ausência do Brasil. Pensei que, pela primeira vez, o tema para redação se confrontava com o desafio epistemológico da contemporaneidade: a relação entre o pensamento visual e o pensamento verbal.
Lembrei-me do meu vestibular e do tema parnasiano que me foi dado para redação: “A Casa Paterna”. Não teria que reclamar, pois tive a maior nota de redação daquele vestibular porque à proposta sentimental respondi com sentimentalismo exacerbado, pois desconhecia os encantos da “casa paterna”, por ter perdido meu pai aos três anos de idade. Mas saí da prova lamentando com outros companheiros termos perdido a oportunidade de escrever sobre temas atuais e problemas sociopolíticos que nos cercavam. Nosso desejo estava se antecipando à temática de redação para vestibular que dominou nos anos 70. Se formos estudar a história dos temas de redação para vestibular, certamente vamos descobrir, com raras exceções, que as propostas estiveram sempre atrasadas em relação aos estilos literários e à história do pensamento. No ano de 95, não.
A proposta de leitura da obra de Andy Warhol[2], conjuntamente com a leitura dos textos de Adorno[3], que os vestibulandos de 95 tiveram de enfrentar é “um tema inteligente que premia a reflexão” não só para a leitura de linguagem verbal, mas também para a leitura de imagem.
A leitura de imagem é prioritária no mundo atual. Um epistemólogo alemão, que foi meu companheiro de residência no Bellagio Study And  Conference da Rockfeller Foundation na Itália, me dizia em conversa particular (daí não se ético citar o seu nome) que dois campos de conhecimento, a imagem e a ecologia, requerem uma nova epistemologia, revolucionando concepções já assentadas.
Razões de ordem prática também conferem importância à leitura da imagem. Há várias pesquisas mostrando que a maior parte de nossa aprendizagem informal se dá através da imagem e parte dessa aprendizagem é inconsciente. A imagem nos domina porque não conhecemos a gramática visual nem exercitamos o pensamento visual para descobrir sistemas de significação através das imagens.
Uma alfabetização para a leitura da imagem através da educação formal tornaria consciente toda aprendizagem, alimentando a capacidade de reflexão do estudante.
LEITURA DA IMAGEM
Os estudantes reclamaram que nunca ouviram falar de Andy Warhol. Através da prova ouviram e, portanto, deram um passo em relação à alfabetização cultural. Quem sabe, um dia, se interessem em ir ao Museu de Arte Moderna (MAM) do Ibirapuera, para ver a obra de Andy Warhol, que o Museu possui graças à doação de Michael Makenzie[4].
Os professores, tradicionalmente, no Brasil, têm medo da imagem na sala de aula. Da televisão às artes plásticas, a sedução da imagem os assusta, porque não foram preparados para decodificá-la e usá-la em prol da aprendizagem reflexiva de seus alunos. Revendo meu material de pesquisa sobre história do ensino da arte, encontro uma outra polêmica sobre imagem no vestibular, datada de fevereiro de 1928. Trata-se da gritaria generalizada contra a introdução do desenho nos vestibulares para a então prestigiosa Escola Normal do Rio de Janeiro. Foi no tempo de Fernando de Azevedo como diretor da Instrução Pública do Distrito Federal.
As alunas, para entrarem na Escola Normal, faziam prova de português, aritmética, geografia e história do Brasil. A equipe de Fernando de Azevedo acrescentou exames de geometria e desenho (livre) para o vestibular de 1928. A geometria foi facilmente aceita, como disse um jornalista do Jornal do Brasil (10/2/1928) “unir a prova de geometria à de aritmética pode de certo modo parecer favorável às candidatas”. Já a inclusão do desenho foi “malhada” por todos os jornais da época. O Imparcial, O Jornal, A Pátria, O País, Jornal do Comércio, O Globo, Correio da Manhã chamavam a prova de desenho de extravagante acréscimo “que ameaçava as
candidatas à Escola Normal”. Mas o Gabinete do Diretor da Instrução Pública, que era Fernando Azevedo, reagiu e respondeu em todos os jornais no mesmo diapasão agressivo dizendo “Desconhecer a necessidade do desenho é cristalizar uma pedagogia de 30 anos atrás.” Ouso parafrasear esta afirmação dizendo: Desconhecer a necessidade de alfabetização visual através da leitura de imagem é cristalizar uma pedagogia de 30 anos atrás.



[1]NELES, Adorno, Revista da Folha de São Paulo, 22/1/95.
[2]Andy Warhol: artista plástico norte-americano, precursor, nos anos 60, da Pop Art . A prova da Fuvest propõe aos candidatos redação a partir de um quadro de Warhol que reproduz diversas vezes o rosto da atriz Marylin Monroe e texto de Theodor W.Adorno.
[3]Theodor Wiesengrud Adorno (1903-1969): filósofo, estudioso dos processos de comunicação, reorganizou em 1950 o Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt, fundado em 1923 (Escola de Frankfurt). Na obra Dialética do humanismo (1947) Adorno e Max Horkeimer criaram a expressão “indústria cultural”. Escreveu dentre outros: Estudos sobre Husserl e os antinômios fenomenológicos (1966) e Teoria estética (1968). Adorno, Horkheimer e Walter Benjamin foram os principais teóricos da Escola de Frankfurt, cujo conjunto de concepções ficou conhecido pela expressão “Teoria Crítica”.
[4]Artista plástico, crítico de arte e curador independente em Nova York.
* Educadora, Pesquisadora sobre o Ensino/Aprendizagem de Arte, autora de capítulos e livros sobre o assunto, considerada a grande referência sobre este tema no Brasil



5 comentários:

  1. Muito interessante! Fernando Azevedo é do sul de Minas. Confiram uma biografia muito interessante sobre ele
    http://143.107.31.231/Acervo_Imagens/Revista/REV037/Media/REV37-16.pdf
    que cita as cidades sul-mineiras que fazem parte da história dele. Vcs em Campanha têm trabalhos produzidos sobre ele e referente ao período em que ele aí esteve? Há algum link? Carlos Rennó

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá Carlos. Sim, ele é da vizinha São Gonçalo do Sapucaí, estudou aqui no colégio dos Jesuítas e um aluno da USP me informou que ele foi um dos três fundadores daquela instituição. Vou tomar a liberdade de postar o link dele.
      Foi um grande cidadão brasileiro.Grato por sua participação.

      Excluir
    2. É só acessar o site da USP que está lá esta informação! E qualquer universitário no Brasil razoavelmente informado sabe que Fernando Azevedo está nos pilares da maior universidade da América Latina e que ele teve sua base educacional inicial em Campanha. Há vários textos maravilhosos dele nos quais ele volta e senta nos bancos escolares da velha e amada Campanha, não é possível que vcs aí não divulguem esses textos? E não se orgulhem desses textos, não? Sérgio Andrade, ex-uspiano, admirador do Azevedo e neto de sul-mineiros

      Excluir
  2. Muito interessante! Vivemos no mundo da imagem! Tudo é imagem mesmo! Nota 10 para o blog do Zé Milton que dá aulas e mais aulas. Joyce Ferreira

    ResponderExcluir
  3. FERNANDO DE AZEVEDO JÁ ENXERGAVA, O QUE MUITOS NÃO QUEREM VER.

    ResponderExcluir

VENDO ECOSPORT 2.0 CÔR PRETA

 VENDE-SE Veículo ECOSPORT 2.0 ANO 2007 FORD   -  CÔR PRETA KM: 160.000 R$35.000,00 Contato: 9.8848.1380

Popular Posts